O mundo e a aldeia

publicado no Jornal Torrejano, em setembro de 2019, num suplemento do 25.º aniversário


Há pouco mais de duas décadas, o mundo dos negócios e dos media inventou uma palavra: “glocal”. Trata-se da fusão das expressões “global” e “local” e, com esse novo termo, pretendia-se descrever todo um novo mundo que estava a nascer, à boleia da globalização, da sociedade da informação e da possibilidade que hoje temos de fazer circular mercadorias e ideias, à velocidade da luz, à volta do planeta. É tão possível comprar figos secos de Torres Novas numa loja gourmet de Nova Iorque, como ler aqui a New Yorker, uma das mais prestigiadas revistas a nível mundial, no exato momento em que ela é publicada na cidade de origem.
Também nas últimas décadas, a extraordinária disseminação e a democratização dos meios de produção jornalísticos – hoje em dia, qualquer um pode fazer rádio, notícias online e mesmo televisão, muitas vezes a partir de um simples telemóvel –, trouxeram novos desafios e oportunidades aos media.
Um bom exemplo prático dessas novas realidades são as redes sociais, em especial a mais afinada de todas elas, o Facebook. Uma rede à escala global, na qual sentimos fazer parte do mundo, e chegamos mesmo a pensar que influenciamos o mundo, mas na qual, na verdade, tudo se passa numa relação da mais pura proximidade – os nossos amigos, o nosso bairro, os nossos colegas de trabalho, os do mesmo clube, partido ou apenas gosto.
Os últimos anos foram também de profunda transformação nos media a que agora chamamos de tradicionais. A produção de notícias originais e de qualidade (passe a simplificação) tornou-se mais dispendiosa, porque, sendo certo que os custos baixaram globalmente, a verdade é que as receitas baixaram muito mais, pondo mesmo em causa todo o modelo empresarial do sector.
A esse panorama de crise, que atinge especialmente os media de largo espectro (jornais nacionais, televisões generalistas, rádio), escapam dois sectores bem distintos: as publicações especializadas, sejam elas revistas ou sites, que se renovam e sucedem conforme as modas; e os media locais.
Para um real conhecimento da realidade portuguesa faltam-nos estatísticas fidedignas que permitam comparar, por exemplo, quantos exemplares de jornais locais e regionais se vendem hoje, comparativamente a há duas ou três décadas; quantas rádios verdadeiramente locais e regionais existem e quais as sua audiências; qual o comportamento dos sites e de algumas experiências de televisão local via net; e, finalmente, qual a saúde financeira e as perspectivas de sustentabilidade de tudo isso.
Estaremos muito longe dos índices de leitura e de consumo de informação desejáveis para uma democracia, é certo, mas ao longo do país vão singrando e surgindo projectos que nos alimentam a esperança, mesmo que a sua distribuição no território acompanhe os desequilíbrios do costume.
Os media locais e regionais dispõem de um conhecimento pormenorizado das gentes, seus problemas e anseios, que constitui um capital indispensável para quem faz informação. E – convenhamos – beneficiam mesmo da desatenção, ou mesmo desprezo, com que a generalidade dos media nacionais olham para grande parte do País, que apenas existe quando palco de tragédia, ou como mera curiosidade folclórica.
Dispõem – talvez segredo bem guardado, mesmo para os próprios – das mesmas condições e facilidades técnicas dos da primeira liga, haja formação adequada e criatividade para desenvolver esse potencial.
É verdade que as condições de mercado não são as melhores, especialmente as económico-financeiras, sendo o tema do financiamento crucial para que não se criem relações de dependência ou promiscuidade que ponham em causa a nobre arte de informar. E também é verdade que as taxas de analfabetismo, ou distanciamento da cultura e da informação, ainda serão mais elevadas nos territórios de baixa densidade do que nos grandes centros.
Mas, pesados prós e contras, os media locais e regionais estão particularmente bem posicionados para o tal ângulo “glocal” para o qual as condições estão maduras. Malefícios – e não são poucos -, à parte, o Facebook é boa fonte de inspiração para estes dias. Saibam aqueles que lidam com os media locais retirar dali os ensinamentos fundamentais, não obviamente ao nível do conteúdo, mas antes do nível de funcionamento e de interação entre o muito próximo (local) e o que interessa a todos (global). 
Grandes incêndios na Amazónia, inundações na Europa ou o degelo no Ártico, isto para mencionar apenas temas de carácter ecológico, têm consequências na vida prática de cada um de nós, em qualquer parte do mundo. E é precisamente esse campo que está disponível para os media locais, cujo papel já não é apenas o de noticiar as pequenas e grandes tragédias e feitos da rua ou da aldeia, mas antes ter também a ambição de fazer a ponte com o mundo e trazer o mundo à rua ou à aldeia. Porque o conceito de proximidade já não é hoje de ordem meramente geográfica.

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