"que vivas tempos interessantes" parece ser uma maldição chinesa que os chineses não usam. que a cultura ocidental atribuiu, vá lá saber-se porquê, aos chineses.
nos "tempos interessantes" acontecem coisas, quebra-se a tranquilidade dos dias, é de esperar o inesperado.
talvez sejamos injustos com a História - porque, provavelmente, no longo prazo as coisas são sempre assim -, mas todos sentimos que os últimos anos têm sido desses: interessantes, especialmente interessantes.
veja-se: na última metade do século XX também aconteceram coisas. recuperou-se e bem de uma guerra, houve explosões de natalidade e criatividade, houve tiranias que soçobraram com simples quedas de muros. sim, aconteceram coisas, mas de alguma forma elas faziam sentido. era a eterna luta do bem contra o mal, com vitórias sucessivas de parte a parte, mas sempre com a grande vitória do bem lá no horizonte.
o que o novo milénio nos trouxe foi a desagregação desse sentido da História. nada parece fazer sentido e o inesperado passou a ser tudo o que podemos esperar.


dito de outra forma, e recorrendo a murakami - os escritores de best sellers são os autores dos provérbios dos tempos modernos e, bem vistas as coisas, continuamos ainda no eterno fascínio pela banalidade da sabedoria oriental - citado pela revista flow: seja o que for de que andes à procura, isso não te chegará da forma que esperas.

[a revista flow é mensal, defende o regresso à simplicidade da vida - ou seja, a que encaremos em estado zen os "tempos interessantes" - e chega a portugal ao preço de 16 euros. os "tempos interessantes" também são isto: a simplicidade, o despojamento, são, mais que uma forma de vida, um estatuto social e os estatutos sociais, normalmente, saem caro. a enorme maioria da população do planeta, atraver-me-ia a dizer, vive de forma muito simples e com poucos recursos. e nem sabe que há uma revista - na verdade, há uma data delas - que trata dessa coisa complicada que é viver simples.]

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