Ainda há-de alguém convencer-me que este comportamento lá por usar tecnologias modernas representa uma vantagem e não uma patologia. Faz parte de sociedades em que deixou de haver silêncio, tempo para pensar, curiosidade de olhar para fora, gosto por actividades lentas como ler, ou ver com olhos de ver.
JPP, Público

6 comentários :

  1. Claro que, em Portugal, escrever que o mundo anda depressa e não há tempo para pensar também faz parte das patologias endémicas. Dizer que os outros são ignorantes, idem aspas. Sem desprimor para si, ou para o JPP, parece-me que há muita falta de exigência nestes textos em que o presente é enquadrado segundo categorias morais que o "condenam" por aquilo que não guarda os traços dos bons velhos tempos que o autor viveu e representa. Era você quem se queixava da gerontocracia nos media? Bom ano.

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    1. Há dias, batia umas bolas com um amigo acerca da frase de Stephen Bannon - birth control makes woman ugly and crazy -, e imaginámos um debate das redes sociais acerca do tema. Seria um debate em que as opiniões cientifícas seriam permanentemente confrontadas com as opinioes da turba... Pior, em que as opiniões científicas tenderiam a englobar a palavra da turba, porque a própria ciência é já hoje uma arte de validar tudo. Esse é o problema: hoje já não há ignorantes, há pessoas com opiniões. E todas as pessoas têm opiniões sobre tudo (veja-se o Forum e o Opinião Pública). Isso é extraodinariamente democrático, mas é extraordinariamente perigoso. Preferia continuar a viver num mundo em que apenas o médico pode diagnosticar a constipação, apesar de todos podermos achar se é constipação ou não.
      Eu não me queixo da gerontrocacia nos media :) Antes pelo contrário. Queixo-me da demasiado juventude ou inexperiência (ignorância no sentido lato, lá está...) que leva diretores e editores a acharem, por exemplo, que só os velhos podem ter ideias. Detesto coisas a preto e branco, gosto da diversidade. E se me passasse pela cabeça constituir um painel para salvar Portugal (ideia parva, já de si) ele teria que ter novos e velhos, homens e mulheres, rurais e urbanos, etc etc...

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  2. A sua perspectiva dos media é sempre interessante, em especial quando analisa o papel dos editores, mas a minha opinião (lá está) é um pouco diferente. Se me permite vou detalhá-la um pouco.

    1º: julgo que não há um problema de excesso de opiniões mas uma ausência de opiniões especializadas com acesso privilegiado ao espaço público. Ou seja, existem muitos generalistas como Sousa Tavares e muitos chefes de família indignados, mas pouco mais.
    2. Em especial, a opinião especializada que existe é demasiadas vezes formulada por gente de duas ou três áreas como a economia, a "politologia" (um neologismo que não substitui a ciência política) e pouco mais.
    3. Atribuo o fenómeno ao declínio das ciências sociais, antes de tudo. Ou melhor, à tentação de pessoas com formação em sociologia, antropologia, etc. para sacrificarem o rigor analítico em benefício de um apriorismo qualquer. Foram décadas disto, em partes responsáveis pelo desaparecimento da figura do "intelectual". Os media ajudaram, mas nem era preciso.
    4. Uma nota que me parece importante: nestes textos à Pacheco Pereira parece que antigamente se sabia pensar, e que por virtude de uma decadência da palavra escrita (muitos telemóveis e tal) temos hoje em dia uma caterva de ignorantes em barda que escrevem em "português macarrónico" e só fazem asneiras. Não posso discordar mais e encontro uma contradição no raciocínio: muitas das pessoas que hoje bebem as palavras do Stephen Bannon e enchem as fileiras dos partidos de extrema-direita (para usar um exemplo) tiveram acesso a uma cultura clássica e a uma educação liberal bem antes de existirem telemóveis e redes sociais. Nem por isso mostraram mais juízo do que os novos.
    5. O João considera perigoso que todos tenham opinião sobre tudo. Mas não foi sempre assim? Quando é que as senhoras e os senhores deste ou de outro século não tiveram uma opinião sobre o aborto, os costumes, a gestão dos recursos, o estado do mundo ou a cupidez das elites? Não a mostravam no Facebook mas nos cafés e nas praças, o que vale o mesmo.
    6. Perdemos controlo sobre o mundo ou descobrimos que nunca o tivemos. Meio século de prosperidade e Estado Social criam curiosas ilusões.

    Desculpe o testamento, mas isto também me serve para organizar a cabeça.



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    1. Temo que estejamos a dizer a mesma coisa por outras palavras, discordando apenas porque JPP se meteu no meio... O homem é irritante, mas é dos poucos "food for thoughts" que ainda vamos tendo. Nos últimos anos, especialmente quando escreve sobre media e cultura, tendo a concordar com ele.
      Não contra a democratização da opinião (deus me livre...). Sou é contra o nivelamento das opiniões. Qualquer caramelo, hoje em dia, se sente no direito (nas redes sociais, diria que no dever) de se pronunciar sobre qualquer coisa. Quando, por exemplo, as tv e radios fazem um forum sobre dívida pública, a coisa é delirante - as pessoas, pura e simplesmente, não sabem do que estão a falar. Mas opinam. São opiniões de ignorantes, o ponto de JPP.
      Diz-me que as pessoas sempre tiveram opinião. Mas é claro, é próprio do animal sapiens... Mas não queira comparar a opinião dos cafés e praças, em circuito restrito e oral, com a escrita em redes sociais. Esta ganha desmesuradamente em amplitude e eficácia. Qualquer disparate é amplificado e, por essa via, credibilizado. É a vitória da ignorância sobre o conhecimento informado.

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  3. "Sou é contra o nivelamento das opiniões." Sim, aqui estamos de acordo, e o post que colocou lá em cima (da New Yorker) é uma excelente sacada. Julgo que esse nivelamento está a ser acelerado por forças que são exteriores aos media, embora os dominem: veja o "case" dos negacionistas climáticos, por exemplo, muito bem financiados e com suporte político onde interessa tê-lo. A impotência dos media é impressionante nos grandes temas.

    Onde discordamos é aqui:

    "Mas não queira comparar a opinião dos cafés e praças, em circuito restrito e oral, com a escrita em redes sociais. Esta ganha desmesuradamente em amplitude e eficácia."

    Isto pedia uma tese, mais do que umas achegas, mas não estou convencido de que um tipo com 2000 seguidores no twitter tenha mais poder ou influência do que um doutor de bairro a postar pescadas no Vavá. De qualquer modo julgo que o osso é diferente:

    o que mudou não foi o alcance ou a importância das nossas opiniões. O que mudou, creio, foi termos descoberto um sentimento de impotência associado a essas opiniões, numa altura em que a nossa sobrevivência como espécie (clima, ecologia), ou a sobrevivência dos nossos valores (democracia) parece estar a ser ameaçada.

    Ou seja, denunciar a ignorância (em vez dos modelos económicos e de representação, por exemplo) ainda me parece uma coisa um bocado ingénua.

    Quanto ao Pacheco, de acordo.

    Curiosidade final: porque é que os jornalistas tomaram conta de tantos espaços de opinião? Não lhe parece uma coisa anti-natura?

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    1. resposta talvez demasiado sincera: os jornalistas tomaram conta dos espaços de opinião por uma conjungação de preguiça e vaidade. vaidade porque, lá está, se todos opinam, porque não eles, pessoas "tão informadas"? por preguiça, porque é muito mais fácil opinar do que fazer jornalismo, ou mesmo puxar pela pinha para encontrar opinadores qualificados.

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