guia breve para tempos interessantes [act]

1.
os tempos interessantes são comandados pelo desejo. pelo sonho, se quisermos.
mas o desejo é apenas o motor. depois há a realidade, que é a estrada, um local, como se sabe, impróprio para cardíacos.

2.
em tempos interessantes, os paradigmas e os cânones não interessam, são inoperacionais.
analisar o desenvolvimento dos tempos interessantes a partir do status quo do dia anterior é meio caminho andado para o desastre.
porque o que é fascinante nos tempos interessantes é, precisamente, quebrar amarras e convenções.

3.
os tempos interessantes são para jogadores, para quem arrisca, e isso implica, por vezes, fazer bluff.
por isso, é preciso ter muito cuidado quando se tiram conclusões do que é dito ou mesmo da linguagem gestual.
em tempos interessantes, muitas vezes diz-se ou aparenta-se fazer exactamente o contrário do que se está a pensar ou a fazer.

4.
os tempos interessantes são o tempo da retórica, mas também o do treco-lareco. ninguém fica calado, todos têm opinião e, principalmente, todos consideram que a sua opinião é a definitiva, a que expõe o trunfo para o xeque-mate. a bala dourada.
não é assim. decidir, em tempos interessantes, é muitas vezes decidir contra a maioria. ou, mais propriamente, decidir sem contar espingardas. apenas com base na convicção. a decisão, embora obedecendo a critérios de racionalidade, não tem que ser a mais racional.

5.
os tempos interessantes desprezam o tempo, a linearidade da cronologia. há dias em que nada acontece, e noutros tudo se precipita. pior: num dia parece que os ventos sopram num sentido, noutro tudo muda.

6.
os tempos interessantes são especialmente porosos. contaminam e deixam-se contaminar. as interacções entre o filão central da narrativa e acontecimentos por vezes sem qualquer relação geram sub-desenlaces inesperados. e assim sucessivamente. ser o dono da narrativa é quase impossível. quem domina o quase ganha.




(...)

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