fui duas vezes ao cinema nos últimos tempos. ou melhor, três... não, espera aí.
a primeira foi para ver um filme de que gostei muito.
mas, já que estava ali, decidi comprar bilhete para a sessão a seguir, a da meia noite.
primeiro erro: comprar o segundo bilhete; bastava não ter saído da zona das salas.
mas houve um segundo erro: a entrada na sala.
entrei. fiquei sozinho e, estrategicamente, sentei-me rigorosamente ao centro.
começa o filme e, à parte a língua (o francês), tudo me parecia estranho.
ao fim de uns dez minutos, rola o genérico e, zás, percebo que estou na sala errada.
só que, decorridos todos aqueles minutos, já não valia a pena mudar-me para a 9, onde iria perder o início. fiquei por ali.
ao fim de meia hora, o meu dilema era moral: o filme era uma enorme estopada, mas eu estava numa sessão privada, só para mim. se saísse, o projectista (ideia tonta, eu sei, já não há disso) iria ficar triste. afinal, perderia cem por cento da audiência.
aguentei, portanto, mais uns minutos, vinte talvez. mas aquilo era demais: saí suavemente, de forma a não perturbar o enorme vazio, na sala e na tela.
não virei as costas, mas adivinhei o ar desolado dos actores: 'e agora, continuamos?´. a pergunta, meus amigos - eles, não vocês - é retórica. vocês, na verdade, não estavam a fazer nada. tentavam, apenas, demonstrar o enorme vazio que pode ser o passar do tempo.

a outra ida ao cinema foi para um filme sueco de que os jornais falam hoje e que terá sido premiado em veneza.
fomos à ante-estreia, com bilhetes sacados num concurso do facebook.
a sala estava cheia, presumo que apenas com borlas. ao fim de vinte minutos, um casal levantou-se e logo a seguir outro. nas últimas filas, uns gandulos riam-se a despropósito. ao fim de uns 50 minutos, a sala estava meio vazia.
o que mais me espantava era a desfaçatez de quem saía, a forma ostensiva como o faziam. aquilo era quase um desafio para quem ficava.
comentámos: 'saímos?'. concordámos em ficar. confesso que o dilema voltava a ser moral: como rejeitar algo que me tinha sido dado? tivesse pago o bilhete e era capaz de ter saído.

quando trabalhava nos jornais, costumava comentar que qualquer merda impressa passava a ser notícia (sim, eu sei, está tudo muito pior...). mas a verdade é que não conheço outra actividade em que a merda tenha ganho tal estatuto de arte como o cinema.

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