naufrágios

a propósito do possível naufrágio de mais 700 pessoas no Mediterrâneo, às portas da Europa, escrevem-se alguns lugares-comuns sobre os quais conviria reflectir.
desde logo, a crítica ao facto de a UE se ter tornado uma fortaleza. poderia ser de outra forma? dito de outra maneira: teria a Europa capacidade de acolher todos os que a ela pretenderiam aceder, caso houvesse regime de fronteiras abertas?
por outro lado, aponta-se a instabilidade política gerada pela 'primavera árabe' como causa do êxodo em direcção ao norte. a primavera árabe teve mais consequências negativas que positivas, para os países envolvidos e para a macro região, em que podemos incluir a Europa. mas os famintos que aqui tentam chegar acorrem de uma realidade mais distante e preocupante: a África sub saariana, em especial uma vasta cintura de países que, há décadas, são palco de fome, doença e guerras tribais. nesse palco, sim, a Europa poderia estar a fazer mais.
e há quem registe a 'hipocrisia' - fossem eles brancos, ou europeus, e haveria lágrimas, manifs, etc. este argumento é, aliás, muito repetido. esquece, porém, um factor fundamental, seja nas notícias, seja nas emoções - a proximidade e a identificação com.

mas, é claro, o frenesim da indústria das indignações instantâneas não deixa muito tempo para pensar.

[hoje de manhã, na tsf, fernando alves concluía que, com este Mediterrâneo transformado em cemitério, "morre também uma certa ideia de Europa". não sei que ideia (ou ideal) terá fernando alves da Europa. a que tenho, dos livros de História, é a de um continente que gosta de fronteiras, de guerras territoriais, de criar pequenos estados, ou seja mais fronteiras, e que, antes de receber pacíficos cidadãos de outros continentes, teve de ir lá primeiro colonizá-los. o século XX da Europa, só para dar um exemplo, é talvez o período/espaço mais sanguinário da Humanidade, com xenofobia e outras violências a rodos. quanto ao Mediterrâneo, basta voltar aos livros de História para perceber que se trata do mais constante palco de guerra do planeta. todo o cruzamento de civilizações, seja na cultura ou no comércio, foi construído sobre/sob mares de sangue.]

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