Venho do mundo dos jornais e é daí que retiro a lição: o problema dos jornais em Portugal, media em sentido lato, não está, nem nunca esteve, nas redacções, do mais imberbe dos estagiários ao mais vetusto director. Erram todos os dias, é certo, talvez mais do que seria expectável. Mas todos os dias muitos também se excedem em dedicação e em profissionalismo, com resultados. Não, nos jornais, o problema não está, ou não está prioritariamente, nas redacções, mas sim acima, em quem detém e gere o capital.

E no país é exactamente a mesma coisa. Portugal não se sabe gerir. Trabalhar, trabalhamos. Até mais que a media. De certa forma, até melhor que a média, se tivermos em conta que todo o trabalho é realizado num quadro de irracionalidade (e, já agora, de ilegalidade). Exemplo: não conheço ninguém, funcionário das muitas empresas de sucesso que por aí há, que trabalhe apenas as horas estipuladas no contrato. Não, trabalham sempre mais, muito mais, e sem qualquer pagamento extra.

A tese que nos impingiram na crise que atravessamos é a de que vivemos acima das nossas possibilidades. E quando nos dizem isso dirigem-se especificamente àquilo a que se convencionou chamar de classe média, mas que, na prática, engloba todos aqueles que não têm capital suficiente para dele retirar sustento. Ou seja, quase todos nós.

De fora fica quem detinha o capital antes da crise e que, apesar dela, não apenas o manteve, mas o aumentou. Da crise em que vivíamos acima das nossas possibilidades, os ricos estão a sair mais ricos e a tal classe média - quase todos nós - está a sair mais pobre.

Isto é hoje evidente em todo o mundo - há por aí um livro que o explica muito bem.

Em Portugal, como em todos os países de estado fraco (paquidérmico, mas fraco), os mais ricos não apenas ficaram ainda mais ricos, mas ficaram impunemente ricos. Todas as actuações à margem da lei foram e estão a ser premiadas - os mais ricos, mesmo quando aparentemente caem em desgraça, regressam a casa com os bolsos a abarrotar e ainda mais ricos que anteriormente.

O mais fantástico desta crise é precisamente isso: o de estar, na prática, a premiar aqueles que, abusando das regras instaladas, acumularam riqueza de forma ilegítima.

Obviamente, isto é profundamente errado. Uma dupla injustiça sobre quem não tem outro remédio que não seja trabalhar para sobreviver. Porque tem que pagar o seu sustento, mas também o sustento do sistema do qual os privilegiados abusam.

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